Home

Angra Jazz

2012

 

Jason Moran & Bandwagon ()

Confesso que temi o pior quando Jason Moran entrou no palco de copo na mão e se virou para o público para falar do excelente almoço que tinha tido. Bem comido estava, assim o disse, e bem bebido, imaginámos. Mas todas as dúvidas se esvaneceram aos primeiros acordes do piano, daquele que é um dos mais impressionantes pianistas da sua geração. E Jason Moran e a sua Bandwagon ofereceram ao público de Angra um momento de Jazz inesquecível, ao nível do que fizeram Kurt Elling no ano passado e Charles Lloyd há dois anos.

O que Jason Moran trouxe à evidência ao Angra Jazz foi a originalidade do seu trio (originalidade que se suporia impossível num momento em que a fórmula de trio de piano é mais do que nunca popular), que é de certa forma uma recuperação das formas angulosas do piano stride, percussivo, da tradição mais negra do Jazz.

E contudo ele está no zénite do piano erudito e, simultaneamente, ele busca a inspiração nas formas músicas pop urbanas, que revela ostensivamente (provocatoriamente) nas introduções gravadas de quase todos os temas que interpreta.


Jazz culto, arrebatador, superlativo, executado por um trio de jovens sob a direcção de um dos maiores pianistas da actualidade.
Inesquecível.

Orquestra AngraJazz ( )

O festival tinha começado no dia anterior com a Orquestra Angra Jazz, a menina dos olhos do festival. Projecto meritório, caro, a sua actuação confirmou porque é que vale a pena insistir. Ultrapassada alguma turbulência (muito vulgar nas ilhas, como confirmou a viagem de ida dos continentais) dos anos anteriores, a orquestra avança lenta mas seguramente na sua afirmação como orquestra de Jazz. A prioridade tem sido oferecida à construção de solistas, mas falta ainda muito à orquestra. Os problemas residem basicamente na insularidade, que tem, como se sabe, custos. Falta-lhe convicção, falta-lhe detalhe, mas não deixa de surpreender que ela se comporte melhor, mais fluente, nos tempos rápidos, que nas baladas. É possível explorar essa dinâmica, que foi acrescentada, creio, na injecção de sangue novo que aconteceu no ano passado. Concerto muito agradável.

Tomasz Stanko Quintet ( )

A primeira noite completou-se com o renovado Tomasz Stanko Quintet, um dos músicos mais singulares do Jazz europeu. Ícone da marca ECM, Stanko pratica um Jazz que tem tanto de sombrio quando de sublime. Perturbante, perfeito, contido, rigoroso, o Jazz de Stanko conta histórias que sugerem outonos. Algo surpreendentemente a guitarra de Jacob Bro e a juventude do quarteto que o acompanhou em Angra introduziram melodia e humor num Jazz que se suporia dramático e previsível.
Concerto belíssimo, ele foi prejudicado pela fórmula de dois concertos por sessão, que prolonga o festival noite afora, por vezes com quatro horas de música. O facto da música de Stanko se resolver quase sempre em tempos lentos, levou a uma menor capacidade de apreciação por parte do público.

Rui Teixeira Group ( )

A segunda noite do festival não padeceu dos males da primeira: as hostilidades foram declaradas com outro grupo português, o Rui Teixeira Group, cujo líder se tem feito notar como «o barítono» da Orquestra de Matosinhos.
Rui Teixeira foi a Angra antecipar a apresentação do seu primeiro disco, a editar no início do próximo ano. Jazz sólido, reunião de jovens músicos mas experientes da cena Jazz nortenha, acusou apenas a necessidade de rodar um pouco mais a banda, já que todos os músicos tiveram prestações interessantes.

The Jack DeJohnette Group ( )

A sexta-feira completou-se com a lenda viva do Jazz, Jack DeJohnette. DeJohnette dispensa apresentações, e será algo lamentável a sua pouco frequente presença nos palcos nacionais. Ele é um dos grandes inovadores da bateria, com um estilo único, que combina as poliritmias que haviam sido exploradas pelos hard-boppers com elementos que provêm de outras direcções como percussões étnicas, o rock ou o free-jazz. A forma peculiar de abordar a bateria que tem tanto de piano como de orquestral, como de cirúrgico e colorido, fez dele um dos mais importantes bateristas de todos os tempos. Ele é também compositor e líder das suas próprias bandas e fez alguns discos incontornáveis à frente da «Special Edition».
A banda que levou a Angra contava com alguns motivos de interesse acrescido pela presença de um dos mais originais saxofonistas da actualidade: Rudresh Mahanthappa.
Apesar de algumas opções estéticas - de fusão - questionáveis, DeJohnette fez um dos grandes momentos do festival. Mahanthappa esteve em destaque em solos dignos da inspiração e verve de Charlie Parker (que por vezes pareceu pairar sobre a cabeça do saxofonista), e o público vibrou com os uníssonos espectaculares saxofone-guitarra. Numa banda de músicos superlativos, motivos não faltaram para o aplauso do público, onde eu gostaria de destacar também o mais reservado mas eficiente baixista, o veterano Jerome Harris. David Fiuczynski, na guitarra e George Colligan nas teclas e pocket trumpet, levaram a plateia ao rubro por diversas vezes, enquanto o mestre da bateria mostrou porque é ainda considerado por muitos o melhor baterista do mundo. Alguém dizia no fim do espectáculo: Deus existe, e chama-se Jack DeJohnette.

Orquestra Jazz de Matosinhos + Chris Cheek ( )

O festival completou-se com a mais celebrada das orquestras nacionais: a Orquestra Jazz de Matosinhos (OJM), que recuperou um projecto gravado em 2006, e que teve como convidado o saxofonista Chris Cheek. Este foi outro dos concertos penalizados pela noite longa, mas também pelo concerto arrasador que Jason Moran tinha realizado.
Enfim, a orquestra acrescentou ao reportório alguns temas novos, incluindo uma composição premiada de Carlos Azevedo. Como nos habituou a OJM, a noite foi de Jazz fluido, competente e bem-humorado, com um Chris Cheek ao seu melhor nível.
Completou-se mais um Angrajazz, confirmando o lugar cimeiro entre os festivais nacionais: critério, competência, amor pelo Jazz. Esperemos que a turbulência que paira sobre o país não afecte o Angrajazz.

Leonel Santos

Qui 4 Angra do Heroísmo Centro Cultural e de Congressos 21.30 Orquestra AngraJazz Pedro Moreira (dir), Claus Nymark (dir), Davide Corvelo (sa), Rui Borba (sa), Luisa Godinho (sa), Rui Melo (st), Mauro Lourenço (st), Filipe Gil (sb), José Pedro Pires (clb), Márcio Cota (t), Paul Borges (t), Bráulio Brito (t), Roberto Rosa (t), João Rocha (t), Edgar Marques (trom), Nuno Machado (trom), Adriano Ormonde (trb), Manuel Almeida (trb), Paulo Cunha (g), Antonella Barletta (p), Antero Ávila (b-el), Nuno Pinheiro (bat)
Tomasz Stanko Quintet Tomasz Stanko (t), Jakob Bro (g), Søren Kjaergaard (p), Anders Christensen (ctb), Jakob Høyer (bat)
Sex 5 21.30 Rui Teixeira Group Rui Teixeira (s), Hugo Raro (p), Vasco Agostinho (g), José Carlos Barbosa (ctb), Marcos Cavaleiro (bat)
The Jack DeJohnette Group Jack DeJohnette (bat), Rudresh Mahanthappa (s), David Fiuczynski (g), George Colligan (p, tec), Jerome Harris (ctb)
Sáb 6 21.30 Jason Moran and The Bandwagon Jason Moran (p), Tarus Mateen (ctb), Nasheet Waits (bat)
Orquestra de Jazz de Matosinhos OJM Carlos Azevedo (p, dir), Pedro Guedes (p, dir), Chris Cheek (s), José Luis Rego (s), João Pedro Brandão (s), Mário Santos (s), José Pedro Coelho (s), Rui Teixeira (s), Gileno Santana (t), Rogério Ribeiro (t), Susana Santos Silva (t), José Silva (t), Daniel Dias (trb), Álvaro Pinto (trb), Andreia Santos (trb), Gonçalo Dias (trb), Demian Caboud (ctb), Marcos Cavaleiro (bat)

(Leonel Santos viajou para Angra a convite do Angrajazz)